Imagine você fazendo corridas ou entregas o dia inteiro, dependendo somente das plataformas para gerar renda, sem carteira assinada, horários fixos ou benefícios tradicionais. A flexibilidade é real, mas também o risco — principalmente para a aposentadoria, saúde ou nos momentos em que não for possível trabalhar. Neste artigo, vamos explorar como os tribunais brasileiros têm tratado esse tema, o que a lei permite, o que falta regularizar, e, principalmente, quais passos práticos você, motorista ou entregador de aplicativo, pode dar para garantir sua segurança previdenciária.
Recentemente, o STF iniciou debates importantes sobre o vínculo empregatício entre motoristas de aplicativos e as empresas de plataforma digital. A questão tem Repercussão Geral reconhecida, o que significa que uma decisão vai afetar muitos processos idênticos. Notícias STF
Esse debate é essencial para definir se, em determinados casos, motoristas/app são ou não empregados das empresas de aplicativo — o que mudaria radicalmente sua obrigação de contribuição ao INSS (ou quem arcaria com parte dela), além de assegurar todo tipo de direito trabalhista.
Há julgados no TST em que se discute “uberização” e ausência de vínculo empregatício. Alguns tribunais regionais têm reconhecido vínculo quando presentes elementos como subordinação — inclusive algorítmica, habitualidade, pessoalidade e onerosidade. Outros têm mantido que a autonomia que se observa nas relações com aplicativos impede vinculação. JusBrasil+1
É importante distinguir que o reconhecimento de vínculo empregatício diz respeito à Justiça do Trabalho, para direitos como férias, FGTS, 13º, jornadas, etc. Mas a contribuição previdenciária, ainda que distinta, é impactada quando há vínculo: ou porque o empregado tem o desconto feito diretamente pelo empregador, ou porque alguma parte da contribuição pode / deve ser suportada pela plataforma, dependendo do caso.
Quando não há vínculo, ou o vínculo é negado, o motorista/entregador assume integralmente a responsabilidade pela contribuição própria como contribuinte individual ou através de enquadramentos como MEI (se possível), ou plano simplificado, etc.
O que diz a lei – o que permite / o que não permite
- Contribuinte individual (Lei da Previdência Social): se você é autônomo (não empregado), deve contribuir como contribuinte individual ao INSS.
- Plano simplificado: existe alternativa de contribuição com alíquota menor (ex: 11%) sobre salário mínimo, mas com limitações de benefícios.
- MEI: se a atividade se enquadrar, pode ser vantajoso, sobretudo para certas entregas, mas para motoristas de transporte de pessoas há regras específicas de registro.
Dicas práticas para você que é motorista ou entregador
Aqui algumas orientações que realmente fazem diferença — passos que você pode adotar hoje para ficar com sua proteção previdenciária em dia e evitar surpresas:
- Avalie se o vínculo pode ser reconhecido no seu caso
Olhe para aspectos como quem define as regras da atividade (preço, horários, rotas), se há subordinação ou controle algorítmico, se existe habitualidade (você trabalha regularmente, não só de vez em quando) etc. Isso pode embasar uma ação judicial, ou ser usado como argumento num processo se decidir entrar com reclamatória trabalhista. - Registre-se como contribuinte individual no INSS
Mesmo se não houver vínculo, esse é o mecanismo para garantir seus benefícios (auxílio-doença, aposentadoria, pensão). É você quem cuida da GPS / guia — mas é fundamental manter os pagamentos regulares. - Considere o enquadramento como MEI, se cabível
Se sua atividade de entregas permitir, ser MEI pode diminuir bastante o custo da contribuição e simplificar obrigações legais. Só que: veículos, transporte de pessoas etc. têm regulamentações específicas — é bom consultar um advogado para ver se sua atividade cabe. - Planeje o valor da base de contribuição
No modelo de 20% (contribuinte individual) você contribui sobre o valor do salário que quiser declarar, mas isso impacta diretamente no valor do benefício no futuro. Se declarar o mínimo possível, a aposentadoria será pequena. Se for possível, declarar valor mais alto para aumentar o benefício — mas dentro dos limites legais. - Emitir corretamente a guia / GPS
Use os códigos corretos: contribuinte individual ou plano simplificado. Verifique no site do INSS ou no “Meu INSS” o extrato de contribuições (CNIS) para confirmar se tudo está registrado. Guarde comprovantes. - Fique atento às ações judiciais e precedentes recentes
Processos que tratam de vínculo empregatício com aplicativos podem gerar decisões que revertem em favor de motoristas/entregadores. Se houver decisão favorável nesse sentido para casos semelhantes ao seu, pode valer a pena ingressar com ação ou tentar reconhecimento administrativo.
A vida sem cobertura previdenciária: riscos reais que poucos lembram
Imagine a seguinte situação: você depende exclusivamente das corridas ou entregas para sustentar sua família. Trabalha todos os dias, de domingo a domingo se for preciso, e o dinheiro que entra paga as contas, o combustível e, com sorte, sobra um pouco para guardar. Agora, pense em como ficaria sua vida se amanhã você sofresse um acidente, ficasse doente ou simplesmente não tivesse mais condições de dirigir ou pedalar.
Sem estar vinculado ao INSS, a resposta é dura: não há auxílio-doença, não há aposentadoria por invalidez, não há salário-maternidade, não há pensão para seus dependentes. Na prática, isso significa depender exclusivamente da família, de amigos ou, em muitos casos, de programas assistenciais do governo.
Essa realidade é mais comum do que se imagina. Muitos motoristas e entregadores só descobrem que estão desprotegidos quando precisam de um benefício — e aí já é tarde demais. A ausência de cobertura previdenciária não é apenas um detalhe burocrático, mas uma vulnerabilidade que pode mudar radicalmente a vida em questão de dias.
Por que manter a qualidade de segurado é essencial
Enquanto a Justiça não pacifica o tema — se haverá vínculo empregatício ou se as plataformas assumirão algum tipo de responsabilidade contributiva —, a orientação prática é clara: não abra mão da sua qualidade de segurado.
Isso significa manter as contribuições ao INSS em dia, seja como contribuinte individual, pelo plano simplificado ou, quando possível, como MEI. Essa regularidade garante que você continue protegido, mesmo que futuramente uma decisão do STF ou do TST reconheça novos direitos para os trabalhadores de aplicativo.
Ao manter a qualidade de segurado, você evita lacunas que podem custar caro no futuro e assegura uma rede mínima de proteção social para você e para a sua família.